O hidromel da poesia: sobre drogas e poetas
Enquanto lia “O Splenn de Paris”, livro escrito pelo poeta Charles Baudelaire, me deparei, na apresentação redigida por Gilda N. Bittencourt, com a seguinte informação:
“Tentando livrar (Baudelaire) dos hábitos devassos, o padrasto o enviou a Calcutá. De volta a Paris, redigiu os primeiros poemas de “As flores do mal” e o livro “Paraísos artificiais”, este sob a influência de drogas”.
Veja: não foi dito que Baudelaire escreveu o livro sobre a influência das drogas, mas sob a influência delas. De fato, o livro “Paraísos artificiais”, que tem como subtítulo “o haxixe, o ópio e o vinho”, traz dois ensaios em que o escritor demonstra o seu interesse pelo que ele chama de “estados de exaltação”; isto é: estados alcançados pelo uso de drogas. Mas mais do que escrever sobre as drogas, somos informados de que ele fazia uso da droga enquanto escrevia o livro.
Chamo a atenção, em especial, para o primeiro ensaio do livro chamado “Poema do Haxixe”. Neste, baseado em experiência própria e na observação das experiências de colegas poetas, escreve o autor:
“Entre as drogas mais propícias a criar o que chamo de Ideal Artificial […] são o haxixe e o ópio”.
Bem, para além de uma análise moral sobre o consumo de drogas — análise esta que inclusive Baudelaire faz — não é possível negar que nunca houve uma civilização que não tenha usado drogas, especialmente em um contexto criativo.
Por exemplo, destaco a mitologia nórdica que nos apresentou o mito do Hidromel da Poesia.
O Hidromel era a bebida consumida pelos deuses e que, quando consumida, conferia o dom da poesia e da sabedoria. Odin ficou fascinado por esta bebida e buscou uma forma de obtê-la — o que conseguiu. Ocorre que, por acidente, deixa cair gotas da bebida na terra e, com isso, os seres humanos também adquirem o dom da poesia, da sabedoria e da criatividade. Então o dom para a arte não seria nato, mas fruto do consumo de uma droga que alterava o estado do espírito — o que Baudelaire chama de “Ideal Artificial”.
Baudelaire faz duras críticas ao consumo das drogas, mas as usava. Reconhecia que as tais forneciam meios do ser humano potencializar suas predisposições criativas levando o sujeito ao famoso “pensar fora da caixinha”. Mas atenção: Baudelaire fala em potencializar a predisposição criativa. Ninguém se torna poeta, criativo, porque usa drogas.
A droga, o hidromel derramado por Odin, para Baudelaire, abria as portas da percepção; sim, aquelas portas que o escritor Aldous Huxley se referiu ao dizer: “Se as portas da percepção estiverem abertas, tudo parecerá ao homem como é, infinito”. A droga seria o Ideal Artificial que abriria tais portas.
Longe de fazer apologia ao uso das drogas, mas o fato é que desde que Odin deixou cair gotas do Hidromel na terra que o ser humano nunca mais deixou de se deliciar.
E Baudelaire seria Baudelaire mesmo sem consumir droga, mas me parece que as deliciosas páginas do livro “As flores do mal” foram escritas não só com tinta…